
Ele foi o pintor da mulatice brasileira, dos cabarés, e dos casebres iluminados das favelas, existindo vida lá dentro. Seu funeral foi transformado em carnaval tropicalista por Glauber Rocha que fazia uma bela homenagem ao ultimo modernista. Estou falando de Di Cavalcanti e do curta produzido por Glauber Rocha “Di Glauber”, com a epígrafe “Ninguém assistirá ao formidável enterro de sua ultima quimera, somente a ingratidão aquela pantera foi sua companheira inseparável” da poesia de Augusto dos Anjos. Quando estive na exposição “Di Cavalcanti um perfeito carioca”, que reunia as melhores e mais emblemáticas obras do pintor, saí de lá olhando o Rio de Janeiro de outra forma, eu mineiro estando a passeio na cidade maravilhosa, de repente me sentia dentro de um quadro modernista. No charme decadente da Lapa, parei pra pensar. Será que as mulatas românticas que Di pintava, seriam as mesmas hoje? Deparei-me com lindas mulheres faveladas, se insinuando e sonhando com louros ricos dos USA. Já não estamos mais naquela época em que o morro era romântico com samba e lata dágua na cabeça. “ Eu sou samba, a voz do morro sou eu mesmo sim senhor, quero mostrar ao mundo que tenho valor” de Zé Kéti embala Rio 40 graus de Nelson Pereira dos Santos, Cidade de Deus dos anos 50, primeira vez que o cinema mostrava a realidade do morro, com mulatas inocentes cantando samba na beira do tanque, com o mar lá longe. Naquela época era possível uma solução do problema das favelas, mas o espírito desenvolvimentista esqueceu dos favelados. Hoje perdemos o romantismo para o tiroteio, o funk que banaliza o sexo, e cultua o crime organizado, dá lugar ao samba no imaginário da mulata. A verborragia de Glauber conclama o grande pintor que pintava com o sangue de sua tinta, o ódio, o amor, a dor no seu mágico abstracionismo, as mulheres de cor em sua desgraça distinta. Um trecho do filme exibe em tom épico o caixão com o pintor em ar sorridente, o morto deveria estar adorando a presença de seu amigo, parceiro na luta pela cultura brasileira. Ao som da marchinha “Teu cabelo na nega”, vemos que esta não é uma homenagem qualquer, e sim um belo exercício estético à altura do gênio do Cinema Novo. A exibição do filme é proibida judicialmente pela família de Di até hoje, uma pena pois “Di Glauber" é uma linda homenagem ao poetapintor, com Glauber Rocha no auge de sua maturidade artística.
Um comentário:
Poucas iris s�o capazes de enxergar as entrelinhas de Glauber... muitos s�o os que apenas veem...
Gostei do texto e concordo com os asp�ctos levantados no que toca � perda da inoc�ncia da mulata e da malandragem em geral...
A Cidade Murada de Zuenir Ventura � �timo!
Abra�o,
Rennan
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