Essa reportagem foi publicada na ultima Revista Caros Amigos e foi motivo de uma grande polêmica, com aclamados protestos de alguns e aplausos de outros. Eu achei linda, pois trata de um preconceito que causa um mal estar muito grande no meio gay. Padrões de beleza que oprimem os que não se enquadram, um hedonismo desenfreado que os gays usam para enfrentar os preconceitos, consumindo demais para serem mais consumíveis e digeríveis para a sociedade. Todas as discussões contra as idéias do texto é a de que ele estaria sendo preconceituoso ao chamar a Parada do Orgulho Gay de um evento nazista e segregacionista, acho que alguns gays acabam tendo idéias e visões de mundo que chegam a ser fascistas mesmo, as questões levantadas pelo texto deveriam ser mais discutidas pelo movimento gay. Juntar mais de 2 milhões de pessoas nas ruas da maior cidade da América Latina para celebrar a supremacia de Eros no meio da Av. Paulista e algo digno de louvação, e amar é a razão pela qual todos nós devemos lutar. Claro que se deve lutar pelo direito de amar, mas é importante também amar as pessoas que vivem ao nosso redor e que também lutam pela mesma forma de amar. Por isso para ilustrar essa bela matéria coloco a imagem de São Sebastião todo flechado, que suspira de amor.
A VIADAGEM ENCAMPANDO A POBREFOBIA
por Paulo Nascimento
“‘Os gays malham a semana inteira, juntam dinheiro para vir à balada e idealizam esse dia como se fosse o último da vida deles’, diz o produtor Beto Matte, 35, por volta das 5 h. De acordo com Matte, ninguém quer realmente nada com ninguém, apenas exibir o corpo esculpido, caçar quem tem droga e, aí sim, beijar vários.”
(“Parada Gay aquece mercado de luxo”,Daniel Bergamasco, Folha de S. Paulo, caderno Cotidiano, 10 de junho de 2007)
“‘Só uso tênis Puma, tenho sete pares’, contabiliza o publicitário Thiago Guez, 23, 1,95 m, 95 kg. São 3h25 quando ele entra na boate vestindo um casaco debruado de pele ‘comprado em Paris’, jeans Diesel e uma camisa Zara. Usa perfume Jean Paul Gaultier, mas seu preferido é o 212, de Carolina Herrera.”“O engenheiro Augusto, 35, acredita que ‘os gays não gostam de bichas’. ‘Eles ficam com vários aqui na boate porque está tudo escuro, o som é muito alto e não é preciso ouvir a voz (fina) de ninguém. No dia-a-dia, sem nada na cabeça, a música é outra.’”
(“Teste comparativo avalia pagode lésbico e frenesi gay”,Paulo Sampaio, Folha de S. Paulo, caderno Cotidiano, 10 de junho de 2007)“‘Nunca vi tanta gente feia!’, diz o estudante bombado, descamisado e depilado Victor Prado, 19, saindo da Parada Gay. A frase foi ouvida muitas vezes pela reportagem, em diferentes grupos do evento. A maioria dos queixosos é representante da ala masculina. De acordo com os correligionários de Prado, desde a primeira edição, onze anos atrás, a Parada do Orgulho GLTB se popularizou demais e ‘hoje é freqüentada por pessoas que nem são gays’ (...) ‘Isso aqui está irreconhecível, olha só quanto mano’, aponta para um grupo de jovens de bermudão e skates o administrador Ricardo Sá, 29. Apesar de manter o fundamento militante, o movimento agora recebe a adesão de pessoas que, para Sá e os cinco amigos que o acompanham, o descaracterizaram. ‘Acontece que isso aqui é um evento aberto, não precisa pagar nada. Então, não dá para controlar a freqüência’, diz o professor Emanuel Via. O preconceito parece contagioso. Esquecido da essência suprapartidária da parada, o fotógrafo carioca Mauro Scur, 32, diz: ‘Como vocês dizem aqui em SP, só tem periferia. Lá no Rio, a gente diria suburbano’.”(Paulo Sampaio, “‘Nunca vi tanta gente feia’, dizem habitués”, Folha de S. Paulo, caderno Cotidiano, 11 de junho de 2007)
São muitos os ensaios que trataram de analisar a formação da civilização brasileira e que se consagraram na história do pensamento nacional por sua excelência ao tratarem das peculiaridades que caracterizam o povo brasileiro. De Sérgio Buarque a Roberto DaMatta, de Euclides da Cunha a Antônio Cândido, de Caio Prado a Alfredo Bosi, nenhum passa batido pela questão da heterogeneidade presente em nossa formação. De tudo: das relações humanas, da estrutura social, familiar, dos ritos, da visão de mundo. Estamos no país em que o católico conversa com pai-de-santo, o milico transmite informação para o preso político, a mulher que criminaliza o aborto é a mesma que já passou por uma fazedora de anjos, o diretor de campanha do PSDB vota no Lula, e por aí vai. Só mesmo num país cuja desigualdade social é atroz e reverbera para todos os lados essas escancaradas contradições podem ser mantidas; pior, não raro atingem dimensões catastróficas (o nepotismo, o comercial de cerveja no canal do bispo, o banco público que tem lucro gordo que não volta para o público...) e são minimizadas, passam quase que despercebidas, para serem, enfim, aceitas.
Eu me pergunto: como um evento que, a princípio, tem como razão de ser a defesa da abolição da desigualdade jurídica, do preconceito social, da violência civil dos quais é vítima categórica um nicho social tradicionalmente depreciado na história de nosso país é capaz de atrair gente que vê problema em estar ao lado de alguém que, ou por escolha ou por uma simples questão de impossibilidade (a segunda é, claro, pior, mas até aí, dane-se), não se aparamenta com roupas, calçados, acessórios e artefatos que aumentam cada vez mais os lucros dos donos de butique? Pois aqui do lado de baixo do equador, vítima de preconceito é o primeiro a externar os seus, assim, dessa forma assaz inconseqüente como se lê na epígrafe de excertos do jornal. Como se hierarquizar pessoas, sentimentos e valores a partir de um viés estritamente consumista, com julgamentos precipitados, fosse “natural”. Isso ocorre simplesmente porque a balela de “guerra ao preconceito” não passa disso: balela. A Parada Gay de São Paulo é um evento nazista, segregacionista e vulgar, cria de uma sociedade consumista fetichista e mesquinha. Basta ir lá e conferir: homens infantilizados, sem a menor percepção do ridículo que é ser um moleque de 50 anos, um drogado escapista ou ficar desfilando com o sexo pra fora, para retificar sua existência estúpida e sua massa muscular exagerada, inversamente proporcional à sua massa encefálica.
E é essa força da grana que ergue coisas podres aqui. Não faço idéia de como isso possa ter surgido, se é um movimento localizado ou, segundo a lógica do historiador francês Braudel, uma manifestação da longa duração; se esse traço pode ser percebido em outros contextos, configurado segundo dadas peculiaridades, não sei. O que sei é que agora o falacioso anátema está aí: viado puro-sangue é aquele com dinheiro no bolso. Conseguiram convencer os ignorantes de que, para que eles possam vislumbrar alguma dignidade, eles precisam corresponder a um estereótipo. Qual a razão do desconforto em negar o estereótipo da bicha-lôca, efeminada, frágil, alcoviteira e invejosa, sendo que o estereótipo do bombado, usuário de grife e disposto a gastar dinheiro da forma mais inconseqüente possível não só é aceito como defendido e propagado? Estereótipo não é tudo a mesma coisa, não sou todos limitantes? Por que negar um e, no mesmo fluxo, legitimar o outro? Além de, no fundo, no fundo partirem da mesma perspectiva homofóbica que vocifera ser o homossexual um torto, um excremento localizado no corpo que precisa ser execrado de alguma forma (na medicina, na psicologia ou na sessão do descarrego da Igreja Universal), colocam como ponto de encontro para sim mesmos a luxúria, a competitividade, o tosco. Ou seja, no fundo acreditam que homossexualidade tem tudo a ver com exagero, excesso, extravagância. Homossexualidade é ter atração sexual pelo ser do mesmo gênero que o seu, só isso. O resto é desespero de pessoas que, como bem definiu Cazuza, "tão no mundo e perderam a viagem"
E claro, como não poderia contrariamente se, há os "militontos", pseudo-revolucionários que se pretendem militantes políticos, e se esforçam em convencer sabe lá quem de que a Parada Gay é uma manifestação de cunho político. Uma ova! Essa Parada esdrúxula nada mais é que um ponto de encontro de perdidos, um carnaval-fora-de-época dos que se sentem aliviados na multidão, porque não têm a menor noção do que fazer com suas individualidades. Orgulho gay ao meu ver não tem nada a ver com escândalo. É você ir jogar bola com uns camaradas, participar de um grupo de estudos, fazer uma macarronada pra uma moça supinpa, cumprimentar o gari, pagar o imposto de renda, xingar o cara que te fecha no trânsito, ouvir Beatles, viver, afinal de contas, reagindo de acordo com as circunstâncias, sem que a sexualidade (nem a sua nem dos outros) seja mote de deferência.
Sou bastante favorável à diversidade, aquela de Gilberto Freyre, que repara na mistura da formação de nosso povo e enxerga possibilidades otimistas dessa mistura ser exercitada no cotidiano de nossa gente. Sei que não tenho nada a ver com a vida dos outros, que minhas impressões pouco importam para a história do pensamento humano, que cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Eu também sei que não há nada mais emancipador do que ser tranqüilo diante de sua condição, seja em qual esfera for (social, cultural, política estética...). É um barato educar a sensibilidade de seu corpo e de seu espírito para perceber as belezas sutis da vida. E é por isso que prefiro ir ver o vôlei do Bernardinho lá no Ibira. O jogo é bonito, a seleção é um timaço, e faz mais meu estilo ver gente animada vendendo saúde num ginásio que gente doente vendendo melancolia no meio da rua, entregue à sorte na liquidez moderna.
PAULO NASCIMENTO, 21, é viado, assim como é alto, negro, de cabelos crespos, dedos finos e olhos castanhos. É bem resolvido com todas essas características supracitadas que tem, mas gosta mesmo é de ser lembrado por sua vontade de viver, sua perspicácia, a dedicação que investe nos estudos e sua habilidade como mestre-cuca de república estudantil. Escreveu este texto como simples exercício de desabafo, pois sabe que não vai mudar o mundo - mas tem ciência que ser crítico em relação ao mesmo é sempre melhor.