Passolini é um gênio único na história do cinema, sua forma de pensar e fazer cinema é singular, seus filmes também. Mexendo em meus arquivos encontrei um texto extraido do documentário "Passolini, Nosso Proximo" dirigido por Giuseppe Bertolucci, que foi exibido no Festival de Veneza do ano passado. É uma pena, mas é dificil que filmes como esses cheguem por aqui. A clareza com que o diretor italiano fala da linguagem cinematografica e do papel do cinema na sua vida, é muito interessante.
Renúncia à língua, cinema de resistencia
Não escrevo mais como antes, o que equivale a dizer que não escrevo mais. A principio, quando comecei a fazer cinema, pensei que fosse apenas a adoção de uma técnica diferente, quase uma técnica literária diversa. Mas depois, pouco a pouco precebi que se trata da adoção de uma língua diferente.
Então abandonei a língua italiana, com a qual me expressava como escritor e adotei a língua cinematográfica. Disse varias vezes, por puro protesto, contestação total, que eu gostaria de renunciar a nacionalidade italiana. Ao fazer cinema, renunciei a língua italiana, isto é, a minha nacionalidade.
Mas a verdade é outra, talvez mais complicada e profunda: a língua exprime a realidade por meio de um sistema de signos. Já o cineasta exprime a realidade por meio da realidade. Essa talvez seja a razão de gostar do cinema, de preferi-lo, pois ao exprimir a realidade como realidade, opera e vivo continuamente no nível da realidade.
Não nos importamos nem um pouco com a poesia. Usamos a palavra “flor” porque ela nos serve em nossas relações humanas. As imagens, ao contrário, fundam-se nas imagens dos sonhos e da memória.
Quando sonhamos e recordamos, rodamos dentro de nós pequenos filmes. Isso quer dizer que o cinema tem seus fundamentos e suas raízes numa linguagem completamente irracional, irracionalista. No fundo, quando alguém vê um filme, tem a impressão de ter sonhado.
Se eu acreditasse que meu cinema fosse completamente integrado por uma sociedade que quer inclusive o tipo de filme que faço, então talvez eu não o fizesse.
A sociedade burguesa digere tudo: amalgama, assimila e digere tudo. Porém, em cada obra em que a individualidade e a singularidade se afirmam com originalidade e violência, há algo de inintegrável.
Tenha essa confiança na liberdade humana, que não saberia expor em termos racionais. Mas percebo que, se as coisas continuarem assim, o homem se mecanizará e alienará a tal ponto, que essa liberdade se perderá inteiramente. Eu continuaria a fazer cinema do mesmo modo, ainda que a liberdade estivesse apenas comigo e se exaurisse com a expressão.
Continuaria a fazê-lo do mesmo modo porque preciso fazê-lo. Ou me suicido ou sigo fazendo.
Penso que em nenhuma sociedade o artista é livre. Sendo esmagado pela normalidade e pela média de qualquer sociedade onde viva, o artista é uma contestação vigente. Representa sempre o outro daquela idéia que todo homem, em toda sociedade, tem de si mesmo.
Em minha opinião, uma margem mínima de liberdade, ainda que nem seja mensurável, sempre existe. Não sei dizer até que ponto isso é ou não liberdade. Mas com certeza há algo que escapa a lógica matemática da cultura de massa.
Então abandonei a língua italiana, com a qual me expressava como escritor e adotei a língua cinematográfica. Disse varias vezes, por puro protesto, contestação total, que eu gostaria de renunciar a nacionalidade italiana. Ao fazer cinema, renunciei a língua italiana, isto é, a minha nacionalidade.
Mas a verdade é outra, talvez mais complicada e profunda: a língua exprime a realidade por meio de um sistema de signos. Já o cineasta exprime a realidade por meio da realidade. Essa talvez seja a razão de gostar do cinema, de preferi-lo, pois ao exprimir a realidade como realidade, opera e vivo continuamente no nível da realidade.
Não nos importamos nem um pouco com a poesia. Usamos a palavra “flor” porque ela nos serve em nossas relações humanas. As imagens, ao contrário, fundam-se nas imagens dos sonhos e da memória.
Quando sonhamos e recordamos, rodamos dentro de nós pequenos filmes. Isso quer dizer que o cinema tem seus fundamentos e suas raízes numa linguagem completamente irracional, irracionalista. No fundo, quando alguém vê um filme, tem a impressão de ter sonhado.
Se eu acreditasse que meu cinema fosse completamente integrado por uma sociedade que quer inclusive o tipo de filme que faço, então talvez eu não o fizesse.
A sociedade burguesa digere tudo: amalgama, assimila e digere tudo. Porém, em cada obra em que a individualidade e a singularidade se afirmam com originalidade e violência, há algo de inintegrável.
Tenha essa confiança na liberdade humana, que não saberia expor em termos racionais. Mas percebo que, se as coisas continuarem assim, o homem se mecanizará e alienará a tal ponto, que essa liberdade se perderá inteiramente. Eu continuaria a fazer cinema do mesmo modo, ainda que a liberdade estivesse apenas comigo e se exaurisse com a expressão.
Continuaria a fazê-lo do mesmo modo porque preciso fazê-lo. Ou me suicido ou sigo fazendo.
Penso que em nenhuma sociedade o artista é livre. Sendo esmagado pela normalidade e pela média de qualquer sociedade onde viva, o artista é uma contestação vigente. Representa sempre o outro daquela idéia que todo homem, em toda sociedade, tem de si mesmo.
Em minha opinião, uma margem mínima de liberdade, ainda que nem seja mensurável, sempre existe. Não sei dizer até que ponto isso é ou não liberdade. Mas com certeza há algo que escapa a lógica matemática da cultura de massa.